Ética e inércia decisória do agente público nos espaços de discricionariedade

Sandro Trescastro Bergue
DOI: https://doi.org/10.21529/RECADM.2025001

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Resumo

Este ensaio aborda a dimensão ética do fenômeno da inércia decisória na administração pública, caracterizada pela opção do agente de abdicar do poder de deliberar nos espaços de discricionariedade por receio de eventual responsabilização, ainda que estejam presentes os meios e a necessidade de agir consistentes com o interesse público. A análise se processa em um cenário de intensificação da atuação das instâncias de controle, gerando como reação nos agentes a busca de segurança pessoal. Explora-se o processo de deliberação sobre agir ou não, segundo um exercício de pensamento assentado na ética como exame crítico-reflexivo, radical e situado incidente sobre os fundamentos da ação. Conclui-se que, apesar de possível do ponto de vista estritamente legal, deixar de agir no terreno da discricionariedade, nas mesmas circunstâncias e examinadas as razões da inércia decisorial em seus enraizamentos, esta escolha pode não se sustentar e justificar sob a perspectiva ética.


Palavras-chave

ética; discricionariedade; tomada de decisão; agente público; inércia decisorial


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